Tratarei a traição neste texto acima de parâmetros morais, religiosos ou jurídicos, interessa compreendê-la do ponto de vista emocional e filosófico, como um ato que causa dor psíquica no ser traído, buscaremos compreender a razão e a natureza dessa dor, que não pode ser diagnosticada como orgânica, como sofrimento físico, ainda que ela reverbere para o corpo.
A vida é feita de pactos, o homem é o animal mais social dentre todas as espécies, razão pela qual está sempre interessado em laços.
Todo pacto, todo laço, é gerador de afetos, expectativas e desejo de segurança. A traição é a quebra unilateral de um laço, de uma promessa de reciprocidade, trair é ferir o outro quando ele caminha de costas.
Se a base das relações é o pacto que as partes firmam, é importante compreender a complexidade desta relação pactual na prática. A maior de todas dificuldades da vivência de um pacto é a subjetividade dos desejos que impera sobre cada ser humano. As vezes, numa relação estabelecida entre duas pessoas, cada parte desconhece o que de fato é a natureza dos desejos predominantes do outro, assim, "eu" acredito que o outro deseja meus desejos, este é inclusive, o maior de todos os desejos. Ser desejado é mais imperativo do que propriamente desejar.
Nessa perspectiva, o outro com o qual me relaciono deseja meus desejos? O pacto de relação firmado com o outro foi claro em relação às cláusulas da convivência, ou "eu" acho que o outro sabe o que eu quero ? E se sabe, isso é suficiente para a fidelidade do relacionamento? Ou outro está disposto a renunciar seus desejos mais íntimos, naturais e satisfatórios de sua própria natureza para fazer valer uma relação?
O seu desejo de fidelidade é desejo do outro com o qual você estabeleceu pacto de relação? A fidelidade é para você um desejo ou um respeito às convenções sociais, morais, religiosas? Você deseja o outro como desejou no ímpeto do momento em que o conheceu? Você percebe no outro desejos divergentes em relação aos termos pactuados para a relação? Você escuta seus desejos mais viscerais ou os reprime em nome da vida correta? Tal retidão entendida como parâmetro estabelecido pelas convenções sociais.
Todo este tecido psíquico compõe a estrutura da alma humana, que ecoa vibrantemente em quem de fato somos na intimidade nua e crua da nossa essência.
Sua fidelidade é motivo de felicidade? Ou sua fidelidade exige renúncias que contraria seus melhores desejos que compõem sua felicidade? Nesse caso, há um relacionamento pactuado, mas doente em suas estruturas íntimas de desejo das partes.
Para finalizarmos, ressalto a importância de compreender que a traição e suas dores não se limitam aos relacionamentos amorosos, ao contrário, estão presentes em toda teia de convivência humana, como é conhecida a clássica traição de Judas a seu companheiro e amigo Jesus.
Portanto, só podemos falar de traição em relação a quem é muito íntimo. Se alguém pouco próximo nos decepciona, não é traição, é frustação de expectativa, por esta razão a traição causa sofrimento, resulta sempre de quem nós confiamos o cuidado de nossas particularidades individuais e íntimas.
Quem vai nos trair, come conosco, vive conosco, supostamente nos ama. Judas participou da ceia com cristo, mesmo carregando em si o propósito da traição. Desta proximidade de laço afetivo e de sua quebra que jorrará a dor emocional daquele que fora traído.
Adebar Fernandes.
Psicanalista, Filósofo, Palestrante, Professor. Especialista em Neurociência e Filosofia Contemporânea.
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